Quem sou eu

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Sou uma mulher que anda de salto alto;E uma menina que brinca no balanço...Sou uma mulher que luta...E uma menina que chora;Sou uma mulher cheia de desejos.E um menina cheia de sonhos...Sou uma mulher que briga;E uma menina que perdoa...Sou uma mulher que faz regime...;E uma menina que se “entope "de sorvetes e chocolates;Sou uma mulher que grita;E uma menina que ouve;Sou uma mulher que fica triste,E uma menina que da risada...Sou uma mulher que tem grandes irmãos;E uma menina cheia de “coleguinhas”...Sou uma mulher que acredita em Deus...;E uma menina que confia no “Papai do céu“...Sou uma mulher que “encanta“e uma menina que aplaude.Sou uma mulher que sobrevive longe do amor.E uma menina que chora de saudade...

21 de outubro de 2011

PARA PENSAR...


Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)ELIANE BRUM Jornalista, escritora e
documentarista. Ganhou mais
de 40 prêmios nacionais e
internacionais de reportagem.
No início deste ano, Sheyla Juruna viajou pela Europa para levar sua voz contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Em agosto, durante uma entrevista em Altamira, no Pará, eu perguntei a ela o que tinha achado do que viu. Ao fazer a pergunta, imaginava escutar sobre o assombro de uma indígena criada na Amazônia diante da arquitetura e da arte que povoam as ruas e os museus das principais capitais europeias. Afinal, deslumbramento é a reação habitual de quem viaja a países como a França. Ao me responder, uma sombra passou pelo rosto de Sheyla, uma bela mulher de 37 anos com os traços bem marcados de sua etnia e olhos e cabelos bem pretos. A sombra passou e não foi embora. Para meu espanto, Sheyla assim respondeu à minha pergunta:
         - Eu estranhei. Fiquei triste e oprimida. Não consegui enxergar beleza. É um mundo de concreto. Terrível. Só conseguia pensar no que havia antes que foi destruído para que aquilo tudo pudesse existir. Só conseguia pensar nos povos que viviam lá antes e viraram História.

Vários filósofos já escreveram sobre a importância essencial do espanto para alcançar o outro e construir conhecimento. E nós, jornalistas, aprendemos isso na prática. O melhor costuma nos chegar pelo espanto. Pelo menos, foi assim que me senti diante de Sheyla Juruna. Bem espantada, porque a beleza arquitetônica das capitais e cidades históricas da Europa sempre me elevaram – jamais me oprimiram. E ali estava aquela mulher, com uma sombra instalada no rosto bonito, me desvelando outro jeito de ver o mundo, nascido de uma experiência totalmente diversa. Para Sheyla, forjada na lógica da destruição, ao deparar-se com as capitais europeias o que ela vê é o que não mais está lá. Então, ela diz:

         - Nós, indígenas do Xingu, não queremos virar História. Nós queremos permanecer vivos, nós queremos continuar.

O mais eloquente para Sheyla Juruna ao conhecer a Europa é a ausência. Porque a experiência de Sheyla mostra que, para que um mundo possa ser construído, outro tem de ser destruído. E o mundo destroçado, ontem como hoje, é sempre o dela. E é por conta desta nova tentativa de destruição que Sheyla fez o caminho inverso dos navegadores portugueses e desembarcou na Europa. E ali se sentiu oprimida pelo que não enxergou.

Quem é Sheyla Juruna, que nos enriquece com o olhar do avesso? Ela é uma indígena cuja cultura foi tão dilacerada que hoje, para alertar o Brasil e o mundo da devastação que Belo Monte vai causar, precisa fazer isso na língua dos dominadores, já que a sua lhe foi roubada. Quando sua bisavó tinha nove anos, seu povoado foi incendiado pelos brancos que ocuparam a Amazônia no ciclo da borracha. Para não ser morta junto com sua família, passou a noite escondida numa castanheira, na floresta. Quando amanheceu, continuou fugindo pela mata até deparar-se com um seringal. Foi então “amansada” pelo patrão. Proibida de falar a língua do seu povo, seu nome também foi apagado. E este silêncio foi sendo transmitido de geração para geração de mulheres. Até Sheyla.

Sete anos atrás, à beira do caixão da avó, filha desta primeira vítima da ocupação da Amazônia, Sheyla jurou lutar pela floresta que representa toda a possibilidade de vida para ela e sua comunidade.

          - O espírito nos escuta, e nós escutamos o espírito. Então eu disse a minha avó: “Eu prometo que nunca vou deixar de lutar. Tudo o que a senhora não conseguiu conquistar, eu prometo que vou tentar conseguir. Nunca vou desistir dessa luta, nunca vou desistir de lutar por nossos direitos".

Sheyla chora agora. E me explica que a vida não está apenas nas árvores e nas flores, no rio que corre livre e cristalino nem nas espécies de peixes, pássaros, animais e insetos, mas num modo de ver e de estar no mundo. Num modo de ser – no mundo. É isso que Sheyla nos dá ao nos espantar com seu olhar sobre a Europa.

Em setembro, contei a história dela e deste olhar para europeus, numa palestra no Festival de Literatura de Mântova, na Itália. Muitos rostos na plateia se iluminaram no início, antecipando o maravilhamento de Sheyla diante da cultura europeia, acostumados que estão a serem admirados. E foi ainda mais evidente a confusão estampada em suas faces quando contei da resposta de Sheyla. Nas horas e dias que se seguiram, aqueles que me encontravam nas ruas da cidade e nos eventos do festival comentavam sobre como foi ao mesmo tempo chocante e rico aquele olhar inusitado sobre a sua cultura. E foi aquele olhar que fez com que compreendessem o que estava em jogo naquele momento na Amazônia brasileira.

Em nossa conversa, os olhos de Sheyla escureceram ainda mais depois de seu relato de viagem. Percebi que se alagavam como acontecerá com a floresta se sua luta for em vão. Mas é de água salgada – e não da água doce do Xingu – que os olhos de Sheyla se inundam quando fala na avó e no futuro próximo. Sheyla dói. Ela é o tipo de mulher que chora também de raiva. Ela diz então:

          - Eu odeio a palavra “desenvolvimento”. O Estado sempre usou esta palavra para justificar a destruição. Não deveria ser assim, né? O desenvolvimento deveria dar condições para as pessoas viverem na sua própria forma de ser, na sua cultura. Mas, na prática, o desenvolvimento é usado para nos destruir. Porque o desenvolvimento não existe para sustentar a vida, mas para o lucro das empresas e de quem faz as políticas. Em nome do desenvolvimento meus antepassados perderam até a língua que falavam. E agora poderemos perder também a vida. De novo, em nome do desenvolvimento. O que é Belo Monte? A destruição da Amazônia e da vida dos povos que vivem lá em nome do desenvolvimento. Eu detesto, detesto essa palavra.

Sheyla Juruna tem o dom precioso do estranhamento. Ela não aceita fácil o que lhe dizem. Tampouco sai repetindo os discursos dos que defendem o mesmo que ela. Numa região em que parte das lideranças indígenas foi corrompida por cestas básicas, combustível e até isqueiros, como nos tempos em que se trocava ouro por espelhinhos, Sheyla se destaca com sua lucidez. Talvez por ter perdido o idioma, com tudo o que o idioma carrega, ela tenha um respeito profundo pelas palavras, ainda que sejam as palavras da língua de quem assassinou o seu povo. 

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